desenho de Almada Negreiros
José de Almada Negreiros [1893- 1970] "800 anos de poesia portuguesa" edição círculo de leitores- 1973
Momento de poesia
Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho,
logo me sinto tão cansado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar para diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo tão bem o que não me diz respeito,
sinto-me tão chefe do que é fora de mim
dou conselhos tão biblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente não sei qual
seja melhor,
se estar sozinho em casa a dar a manivela ao mundo,
se ir por aí a ser o rei invisível de tudo o que não é meu.
José de Almada Negreiros [1893- 1970] "800 anos de poesia portuguesa" edição círculo de leitores- 1973
Sem comentários:
Enviar um comentário